Aurora Borealis

Wednesday, February 13, 2008

O HOMEM INTERNACIONAL DO MISTÉRIO VOLTA DAS TREVAS

Entrevista exclusiva dada para o site http://www.aristoi.com.br

1. Para começar, gostaria que nos falasse sobre sua formação e sobre sua carreira. Muitos o conhecem dos textos que publicou n'O Indivíduo, mas, fora isso, sabemos muito pouco sobre você. Enfim, conte-nos um pouco do que tem feito e dos seus planos.

Bem, não há nada demais na minha formação e na minha carreira. Sou formado em Jornalismo pela PUC-Campinas, fiz também as faculdades de Letras (Unicamp) e de Direito (PUC-Campinas) e atualmente faço mestrado em Ciências da Religião na PUC-SP, sob a orientação de Luiz Felipe Pondé. Abandonei a profissão de jornalista simplesmente porque não agüentava as idiotices que acontecem nas redações; a partir daí, fui trabalhar em outras áreas – como, por exemplo, revisor de textos e vendedor na Livraria Cultura Villa-Lobos – e depois de algum tempo me chamaram para organizar o Departamento de Humanidades do IICS. Agora, sobre o fato das pessoas saberem pouco sobre mim, isso é uma mentira; não sei se isso tem algum interesse, mas é só lerem os meus ensaios em O Indivíduo, no Digestivo Cultural e no meu blog Aurora Borealis, além de, obviamente, verem toda a programação de Humanidades do IICS – e perceberão que estou todo ali, full frontal.

2. Embora certamente haja um núcleo de princípios comuns entre as diferentes definições de educação clássica, há também uma dificuldade em defini-la claramente. Por isso, gostaria de lhe perguntar qual é a sua definição de educação clássica? Enfim, qual a concepção que fundamenta seu trabalho no IICS?

Não tenho uma definição de Educação Clássica porque este tipo de educação não deve ser definido como um sistema cheio de princípios lógicos; a Educação Clássica é a educação que qualquer um deveria ter para ser considerado minimamente articulado. O problema é que o Brasil se importa mais com uma educação fundada em bases ideológicas – seja de direita ou de esquerda – e hoje as pessoas lêem o Rubem Alves e a Marilena Chauí, mas não lêem Plutarco, Aristóteles ou Homero. A nossa concepção do IICS é recuperar, de forma bem quixotesca (no bom sentido, isto é, recuperar um norte que foi perdido, mas que está prestes a ser redescoberto), algum brasileiro decente que queira se (re)integrar à tradição do Ocidente, sem se preocupar com o FEBEAPÁ que as ideologias fizeram no país.

3. Podemos ver, pelos seus textos, que você sempre teve uma grande preocupação com a sua formação pessoal e com as questões da alta cultura. Como a educação clássica influenciou sua própria formação? Como estas idéias chegaram a você e como elas lhe afetaram?

A grande preocupação com a minha formação pessoal nos textos que escrevi vem do fato de que não passo de um grande pedante. Com o tempo, vi que ser um grande pedante não levava a nada; percebi que tinha entrar no redemoinho das coisas, de amadurecer nas ambigüidades da vida. A educação que recebi foi igual a de qualquer garoto de classe média – só não virei comunista e um idiota latino-americano por um milagre. O que aconteceu é que passei por certas experiências que, se não fosse pela conversão que enfrentei, nenhuma educação teria me ajudado a compreendê-las. A educação clássica que você fala, Lucas, é simplesmente a educação do homem ocidental que, confrontado com a perspectiva da morte e a inevitabilidade do Mal, o ajuda a enfrentar essas questões – as questões mais sérias da nossa existência – e tenta encontrar não uma solução, mas uma forma de aceitá-las sem falsos otimismos e sem tragédias anunciadas.

4. Devido ao péssimo estado do nosso sistema educacional, muitos dos nossos leitores se vêem pressionados a recorrer ao autodidatismo. Você se considera um autodidata? O quanto da sua formação se deve ao auxílio de professores e ao esforço isolado?

Qualquer um que se orgulhe em ser um autodidata é um completo otário. O autodidata é o ser mais solitário do planeta. Não encontra eco, não encontra confronto. O Bruno Tolentino me dizia sempre para fazer um mestrado porque, apesar do nível baixo das universidades, elas sempre são um local de encontro de idéias e de debates. Confrontar os seus inimigos intelectuais é essencial para a formação de qualquer um que queria enfrentar a vida como um adulto. A minha formação vem de muita coisa que li sozinho, mas também das várias pessoas que me influenciaram: meus pais, os meus amigos do IFE (Instituto de Formação e Educação, entidade que criei com alguns amigos e onde discutimos Platão minuciosamente há quase quatro anos), os colegas do mestrado, os verdadeiros mestres com quem tive a benção de conviver, como Bruno Tolentino, Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho, Olavo de Carvalho; e também os mestres que já se foram há algum tempo, como Eric Voegelin (este sim, a minha verdadeira influência, junto com Tolentino), Mário Ferreira dos Santos, Chesterton e muitos outros.

5. Diga-nos quais foram os principais livros, cursos ou experiências que mais fortemente definiram o seu percurso intelectual – e o que disto você nos recomenda.

Os livros que te marcam mais são sempre relacionados com algumas experiências cruciais pelas quais todo o ser humano deve ter passado. Falo, claro, da experiência da morte e do sofrimento, mas também da bondade e da caridade e o fato de que viver em um mundo que tem as duas coisas simultaneamente é talvez a coisa mais perturbadora que alguém pode sentir.

Por isso, alguns livros são fundamentais para se entender essas experiências; para mim foram os seguintes: Ulysses, de James Joyce; Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust; a Poesia de T.S. Eliot, W.H. Auden e W.B. Yeats (leia tudo o que puder desses três grandes gênios); Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, de Machado de Assis; Grande Sertão:Veredas, de Guimarães Rosa; Avalovara, de Osman Lins; toda a obra de Bruno Tolentino (sem dúvida, o maior poeta que o Brasil já teve); as obras de Drummond, Bandeira e Cecília Meirelles; os ensaios de Edmund Wilson, G.K. Chesterton e C.S. Lewis; e as grandes obras filosóficas de Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e Eric Voegelin.

Também não deixaria de lado a música e o cinema, artes essenciais para que alguém tenha uma sensibilidade saudável. Escute os clássicos (Mahler, Bach, Mozart, Sibelius), escute o bom e velho rock-n´-roll (todo mundo sabe da minha fixação por Bob Dylan) e veja filmes, muitos filmes, em especial os de Stanley Kubrick, Howard Hawks, Joseph Mankiewicz, F.W. Murnau, Scorsese e tantos outros.

6. Finamente, gostaria de entrar em uma questão cara aos leitores do Aristoi: seu trabalho junto ao IICS. Gostaria que você nos contasse um pouco da história deste empreendimento: como ele surgiu, como você se envolveu no projeto e, evidentemente, quais objetivos vocês pretendem alcançar.

A diretoria do IICS me chamou porque precisava de um sujeito jovem, com uma linha sólida de pensamento cristão e que fosse suficientemente maluco para aceitar uma empreitada dessas. Eu preenchia todos os requisitos. Os objetivos que pretendemos alcançar é ser um centro de pensamento e de formação de scholars. Em outras palavras: um think tank. Conseguiremos? Não sei; o que sei é que a diretoria do IICS me deu todo o apoio necessário.

7. Os "módulos de educação clássica" são, definitivamente, uma dos grandes projetos do IICS. Como foi o processo de desenvolvimento destes módulos (a seleção das leituras, dos temas, a determinação do tempo para cada etapa)?

Foi simples. Inspirei-me nos modelos curriculares do St. John College e do St. Thomas Aquinas e depois discuti bastante com os professores de cada aula, relacionando temas e cruzando referências. Quando se trabalha com pessoas inteligentes e com o mesmo horizonte de pensamento a coisa caminha sozinha.

8. Como será o funcionamento prático dos módulos? Fale-nos um pouco do que vocês esperam realizar enquanto prática pedagógica.

O funcionamento prático dos módulos é a discussão de alguns temas dos livros apresentados e, a partir daí, orientar cada um dos alunos a seguir um caminho próprio, dentro do seu ritmo e do seu interesse. A única coisa que espero é que não venha ninguém com ideologias ou papo falsificado de boteco. Os módulos são para pessoas que gostam de investir na sua formação como algo para a vida e não para conquistar menininhas ou ser bem sucedido no mercado de trabalho.

9. Recentemente, em seu blog, você publicou uma verdadeira declaração de guerra contra o "totalitarismo cultural da esquerda". Como você entende esta guerra cultural? Como você avalia as nossas chances? E – principalmente – quais estratégias lhe parecem mais efetivas?

Bem, estamos em uma guerra, não estamos? Entendo que essa guerra cultural é a mais importante que já passamos. O Brasil não existe mais no mapa da Civilização porque decidiu ir para uma Segunda Realidade onde Foucault é meu rei e o Lula-lá é o exemplo de estadista. É a função desta geração que sabe das coisas recuperar o país do lodo em que se encontra; afinal, nós sabemos que a USP não presta mais e que o PT não é o partido dos santos e imaculados. Nós sabemos quem é quem. E a única estratégia que vejo ser efetiva é a nossa geração tomar vergonha na cara. Mesmo com o aumento de uma resistência na mídia e nos meios educacionais, ainda assim as pessoas que compõem essa suposta “resistência” não passam de sujeitos mimados, egocêntricos e que só pensam no seu “aperfeiçoamento espiritual” – leia-se: fugir do mundo. Afirmam ser cristãos quando Cristo disse que tínhamos que ensinar aos outros, que tínhamos uma missão para realizar neste mundo. É como eu disse: esta é a hora da resistência entrar em ação. Quem não quiser entrar nela não passa de um covarde.

10. Diga-nos o pensa da educação liberal no Brasil - o que podemos esperar do futuro e o que podemos fazer para torná-lo um pouco melhor.

Não existe educação liberal no Brasil. Precisa dizer mais alguma coisa?

11. Por fim, gostaríamos de lhe pedir algumas dicas de estudo e leitura para nossos leitores – e para nós mesmos, evidentemente.

a. Você teria alguma recomendação em relação à ordem prática dos estudos para nossos leituras (técnicas, métodos, etc.)?

A única ordem prática que dou para o estudo é a seguinte: o sujeito tem de estudar porque há um problema que o consome no seu íntimo, um problema que, se não começar a querer saber porque existe e porque incomoda a sua vida, vai deixá-lo louco. Não estude para ter boas notas; não estude para ser culto; não estude para fazer amigos e influenciar pessoas. Estude somente para solucionar a questão que, provavelmente, só vai ser resolvida quando estiver no leito de morte.

b. Que livros sobre educação e formação pessoal você indica?

Indico três: os contos de Sherlock Holmes (para pensar direito e saber onde se encontra o Mal), o Eclesiastes (para você saber que tudo nessa terra é passageiro) e o Autobiographical Reflections, do Eric Voegelin, uma verdadeira aula de como ser um homem do espírito sério.

c. E que livros – sobre qualquer assunto – você recomenda entusiasticamente a nossos leitores?

Recomendo que leiam A Nova Ciência da Política, de Eric Voegelin, para saber o que realmente se passa no mundo, o tratado do Voegelin, Order and History, além de O Mundo Como Idéia, de Bruno Tolentino, uma verdadeira aula de filosofia através da mais bela poesia, e qualquer romance do Joseph Conrad ou do Henry James, para saber como se faz literatura.

Vejam mais em: www.iics.org.br/humanidades