Monday, November 19, 2007

YOU CAN´T ALWAYS GET WHAT YOU WANT

Esta canção dos Rolling Stones, fantástico hino dos beautiful losers, pode ser o bordão da série "House". Ou melhor, "House, M.D.". Para quem não é versado em particularidades, as iniciais significam "medical doctor". E que doutor! Interpretado pelo genial Hugh Laurie com uma precisão sherlockiana (a citação não é aleatória pois House é o Sherlock Holmes de nossos tempos), o doutor Gregory House é talvez o médico mais doente que já existiu na televisão. E não, não estou falando da sua perna que dói, dos vicodins que toma como se fossem chicletes, do seu humor sarcástico que esconde uma solidão que ninguém pode curá-lo. Falo da sua doença espiritual. House é o cientista que sofre do mal que toda a ciência moderna sofre: a dissociação entre fé e razão. Isso não é papo de católico extremista. Se alguém com um pouco de cabeça ver as três temporadas seguidas perceberá que o tema que corrói House é a sua incapacidade de ver que o mundo pode não ser somente de pessoas que mentem, de doenças que jamais serão curados, de problemas que jamais serão resolvidos. Pouco a pouco, a série mostra que Gregory House é um homem que deve aceitar que, enfim, existem pessoas que o suportam e que mostram uma extrema lealdade e, sobretudo, carinho; que muitas vezes os outros seres humanos podem expressar uma verdade sobre suas vidas; e que não é necessário cair no expediente da ciência vale-tudo (o que inclui aí uma apologia explicíta do aborto para a cura de uma doença, como vemos em um dos episódios) para amputar a esperança que não tem como ser capturada pela razão humana.

Por outro lado - e aí está a grandeza da série - House quase beira a canalhice, mas nunca atravessa a tênue linha. No fundo, ele é um homem bom, um homem com uma missão, que fará de tudo para realizá-la. Esta missão é o próprio aperfeiçoamento da ciência. E, no restante, ele está quase sempre certo em relação ao comportamento de outros seres humanos: todos nós mentimos na maioria das vezes, nunca mostramos qualquer sensibilidade ao outro e nos esquecemos que existem outras forças que permeiam nosso pequeno mundo. Contudo, se House acerta em relação ao humano, erra quando a realidade impõe a sua transcendência nos detalhes do cotidiano. E quando isso acontece, ainda assim House mantém a integridade de seu ceticismo e de seu sarcasmo perante a vida. Há algo de admirável nisso, mas também de luciferino. Às vezes aceitar a vida como ela é implica em negar que não se pode ter tudo o que quer, mesmo quando esse "tudo" é a comprovação da perda. E, no caso do dr. Gregory House, a sua lucidez pode ser, sem sombra de dúvida, o reflexo de uma doença que contaminou boa parte dos nossos "homens com missão" e que a impedem de realizá-la com todos os seus frutos.

5 Comments:

Blogger Searcher said...

Martim,
Embora só tenha visto alguns eposódios da penúltima temporada, subscrevo cada linha do que você disse sobre o dr. House. O desencantamento chegou a tal ponto que a transcendência escapa mesmo aos nossos contemporâneos mais geniais.
Gostei muito da série, though.
Um feliz Natal para você e sua família!
Beijos,
Inês

12:37 PM  
Anonymous Anonymous said...

Li este post no dia 20 de Novembro.De lá pra cá fiquei tentando organizar um comentário que contivesse tudo que o post me despertou. Não consegui. Mas o queria dizer é que gosto muito da série House M.D.,a assisto na tv aberta porque não tenho canal a cabo, aquela coisa todoa. Mas nunca tinha percebido todos os substratos que você aborda no post. É impressionante a riqueza da forma como você vê o mundo, desde uma série de tv até aos Clássicos que sustentam nossa Ocidentalidade. Só que na hora de escrever a fórmula é sempre a mesma, e nunca cansa, muito pelo contrário: você escreve como Caravaggio pinta:explorando os contrastes entre Luz e Escuridão. Peço sempre a Deus que nesse embate perene entre sombra e luz eu saia da margem e passe ao centro onde a Luz irradia e nós conseguimos a iluminação. Espero que uma vida seja suficiente pra que esse embate se resolva.
Feliz Natal, Ano-Novo próspero de realizações e prolífico em posts,
Fique com Deus,
C.E.

6:17 AM  
Blogger Davi James Dias said...

Caro Martim,

Estou muito interessado no curso de educação clássica do IICS, mas infelizmente não moro em São Paulo. Há planos de um novo curso em 2009?

Um abraço,

3:38 AM  
Blogger mvc said...

Prezado Davi:

Para maiores informações sobre os cursos do IICS, pode falar comigo no telefone através do telefone indicado no site www.iics.org.br/humanidades

Abraços

Martim

5:18 AM  
Blogger Unknown said...

cheap nfl jerseys
michael kors handbags
converse trainers
longchamp outlet
ugg boots
ugg outlet
ralph lauren
michael kors handbags
armani exchange
michael kors outlet clearance
20170415alice0589

2:28 AM  

Post a Comment

<< Home