Thursday, June 14, 2007

LIFE ABHORS TRANSPARENCE

24 DE MAIO DE 1980

Enfrentei, na falta de feras, jaulas de aço,
escavei meu apelido, e o tempo que me faltava para cumprir,
em colunas e paredes nuas de concreto,
vivi à beira-mar, tirei azes da manga num oásis,
jantei com só-o-Diabo-sabe-quem, de casaca, comendo trufas.
Do alto de uma geleira, olhei meio mundo, a terra
quase inteira. Quase me afoguei duas vezes,
por três vezes deixei que facas esburacassem minha pança.
Abandonei o país em que nasci e que me viu crescer.
Os que me esqueceram dariam a população de uma cidade inteira.
Percorri as estepes que viram os Hunos berrando do alto de suas selas,
usei roupas que, hoje, por toda parte, estão voltando à moda,
plantei centeio, cobri de pixe o telheiro de estábulos e chiqueiros,
nesta vida só não bebi água seca.
Deixei que o terceiro olho das sentinelas se esgueirasse para dentro
de meus sonhos úmidos e sinistros. Comi o pão do exílio, mofado, encaroçado.
Concedi a meus pulmões todos os sons, exceto o urro;
preferi o gemido. Hoje, estou fazendo quarenta anos.
Que posso dizer da vida? Que é longa e detesta a transparência.
Ovos quebrados me entristecem; mas omeletes me enjoam.
E, no entanto, até que me enfiem argila pela goela abaixo,
tudo o que posso fazer sair dela é gratidão.

Joseph Brodsky (tradução de Lauro Machado Coelho)